Riscos em viagens aéreas para animais e suas possíveis soluções

Os animais que viajam em aeronaves passam por mudanças consideráveis, relacionadas ao ambiente, outros sons, odores, luminosidades, pressão atmosférica, ventilação e etc.

De acordo com a ABEAR (Associação brasileira das empresas aéreas) mais de 140.000 animais de companhia (cães e gatos) são transportados todos os anos no Brasil. Pela via aérea e de acordo com a IPATA mais de 4 milhões de animais no mundo. E esse tipo de transporte ocorre por inúmeros motivos, que vão desde mudanças de países acompanhando seus tutores, adoções de animais que vivem em outras cidades, estados e países, venda de animais, animais acompanhando seus tutores em viagens de férias etc.

Consideramos o transporte de animais por via aérea como o método mais conveniente para o transporte por longas distâncias, como entre países. No entanto, este transporte não é livre de riscos, e os animais, as pessoas, os aeroportos e as companhias enfrentam muitos desafios neste processo, que se inicia desde o planejamento da viagem até a chegada do animal no seu destino.

De acordo com a Associação Internacional de Transporte Aéreo – IATA, mais de 5.000 animais são mortos, acidentados ou perdidos em voos comerciais por ano em todo o mundo. Apesar da baixa incidência (menos de 0,1% de acidentes), há acidentes graves e óbitos, fatos que são inadmissíveis em qualquer porcentagem, pois se tratam de vidas!

Muitas necropsias realizadas após acidentes em viagens aéreas com cães e gatos revelaram colapsos cardiorrespiratórios relacionados ao intenso estresse associado a hipertermia, entre outras causas.

No Brasil o transporte de animais vivos por via aérea no Brasil pode ser dividido em três categorias:

  • animais que viajam junto com o tutor ou responsável na cabine 
  • animais que viajam no compartimento de carga da aeronave
  • animais de serviço (treinados para acompanhar pessoas com deficiências visuais ou auditivas, que permanecem junto ao tutor na cabine).

No Brasil ainda não há uma legislação específica que regulamente as viagens aéreas de animais de apoio emocional na cabine. Algumas empresas aéreas aceitam este tipo de animal somente em voos internacionais e não em seus voos nacionais.

E cada empresa aérea estipula, em suas especificações operativas, se aceitam ou o não o transporte. Tendo em vista que os artigos que regulam o transporte de animais vivos (os artigos 45 a 47, da seção V da Portaria nº 676/GC5 de 13.11.00) são discricionários. Ficando a critério da empresa a sua aceitação na cabine de passageiros.

A maioria das companhias aéreas europeias aceitam animais na cabine até 8 kg e regulamentam a proibição de animais braquicefálicos no porão de carga. 

Principais riscos ambientais relacionados ao transporte aéreo de cães e gatos

Os principais riscos aos animais, são as extremas mudanças de temperatura a que um animal pode vivenciar no embarque e desembarque. Pois eles aguardam em locais sem climatização, sem controle de temperatura, sem ar condicionado, e ainda os transportam em carrinhos utilizados para o transporte de malas. Carros abertos, que não possuem climatização e nem isolamento acústico, podendo estes animais vivenciarem ruídos aeronáuticos acima de 90 -100 decibéis. Extremamente deletério para estas espécies, que possuem a audição muito mais sensível que a dos humanos.

Muitas mortes por colapsos cardiorrespiratórios desencadeados por estresse agudo ocorrem na pista. Quando o avião está sendo preparado para a decolagem ou quando há atrasos no carregamento ou descarregamento da carga. Além de que podem ocorrer mortes também durante os atrasos de aviões que estão estacionados na pista, onde as temperaturas podem subir perigosamente (> 35o C), ou quando, dependendo do local, ficam sujeitos às baixas temperaturas (< 5o C) quando ficam esperando muito tempo na pista para serem transportados para dentro do aeroporto.

Agentes indutores de estresse

Quando os animais viajam na cabine com seu tutor alguns agentes estressores também estão presentes, como barulhos e ruídos acima do normal, presença de outras pessoas, impossibilidade de sair da caixa entre outros. Mas todos esses agentes estressores são minimizados pelo fato do animal estar acompanhado de seu tutor, que lhe traz segurança e que poderá lhe acalmar através de sua voz, seus gestos de carinhos e/ou através de petiscos.

Já os animais que vão no compartimento de carga vivenciam todas estas diversas experiências mencionadas acima. Mas sozinhos. E o impacto que estas experiências vão ocasionar nos animais dependem de uma série de fatores que influenciarão em sua saúde e bem-estar durante as viagens aéreas, como:

  • instalações do aeroporto
  • treinamento da equipe em solo (como manejam e transportam o kennel)
  • tempos de atrasos no embarque e desembarque
  • local onde ficam aguardando o embarque e após o desembarque
  • distância do local onde aguardam até a aeronave
  • tipo de transporte até a aeronave
  • quantidade de conexões
  • tempo de espera em cada conexão 
  • temperatura e umidade do ar nos momentos de embarque, desembarque e nas conexões
  • tipo de compartimento de carga
  • presença de outros animais no compartimento de carga
  • problemas técnicos relacionados a pressurização e temperatura do compartimento de carga

Todos estes fatores somados as condições ambientais extremas, podem levar o animal a quadros de hipertermia ou hipotermia.

Problemas ocasionados pelas viagens aéreas

Muitos animais não entendem o que está acontecendo durante uma viagem aérea. Muitos animais são retirados de seus ambientes, colocados em uma caixa de transporte, são transportados em um carro por horas, são carregados dentro do aeroporto em uma caixa de transporte trêmula e instável e, em seguida, são embarcados em um compartimento de carga pequeno, escuro e barulhento. Todo este processo, desde a entrada na caixa até a saída da caixa, que pode durar muitas horas. Gera um certo nível de estresse que varia de situação a situação e de animal para animal, mas que acarreta em menor ou maior grau de liberação de um hormônio conhecido como cortisol.

O cortisol, também conhecido como hormônio do estresse, acarreta uma série de alterações fisiológicas a curto, médio e longo prazo, que podem culminar com alterações cardiopulmonares importantes.

Já foi comprovado que procedimentos de carga e descarga causam grande aumento na frequência cardíaca de cães. Alguns estudos sugerem que o transporte é estressante para cães, mas que os procedimentos de carga e descarga são os mais estressantes e que a sedação com agentes como acepromazina, na dose e no momento utilizado, não afeta beneficamente as respostas fisiológicas e comportamentais ao estresse dos cães ao transporte aéreo.1

No caso de animais que já apresentam a síndrome da ansiedade da separação (SAS), o estresse das viagens aéreas, separando de seus tutores pode causar ainda mais danos e podem levar a um grau de estresse bastante perigoso.

Recomendamos que animais que sofrem da síndrome da ansiedade da separação  (SAS) em um alto grau, não devem viajar no compartimento de carga, pois o risco de injúria é alto. Os tutores devem tratar esses animais antes da viagem.

Lesões físicas causadas pelas tentativas de fuga da caixa de transporte 

Muitos cães e gatos que não se acostumaram adequadamente com suas caixas de transporte (kennels) acabam ficando extremamente estressados e tentam escapar de suas caixas a todo custo. Ocasionando lesões como: perda ou fratura de dentes, lesões em mucosa oral, em olhos, arranchamento de unhas, lesões e fraturas em membros ou até mesmo ferimentos auto infligidos (automutilação) em patas, caudas etc. causados pelo intenso e agudo estresse ocasionado pela viagem.

Também há casos em que os kennels podem ser danificados a ponto de abrir durante o transporte. O que pode resultar em sérios danos ao animal, como fugas, perdas, injúrias e morte. Animais perdidos no aeroporto representam mais de 4% dos incidentes relatados por companhias aéreas americanas entre 2010 e 2020.

Recomendações:

Que a qualidade do kennel seja um critério essencial e que todos os colaboradores que recepcionam animais, tenham treinamento para identificar possíveis falhas neste quesito.  Mas, o uso dos lacres e cintas pode ajudar a minimizar a abertura do kennel, mas não devemos usar esses materiais como contingência para caixas de transporte de má qualidade durante as viagens aéreas.

Hipertermia e Hipotermia

Um dos principais riscos para os animais que viajam são as variações extremas de temperatura das diversas áreas que passam dentro do aeroporto e no compartimento de carga.

De acordo com as pesquisas veterinárias mais recentes, para cães e gatos, a umidade ambiental deve estar entre níveis de 30 a 70% e a temperatura ambiente ou a temperatura do ar ao redor do animal não deve cair abaixo de 10°C (50 °F) ou ficar acima de 29,5°C (85 °F) para animais em ambientes fechados.

Sabemos que a temperatura corporal depende de um equilíbrio entre o calor interno e a temperatura do ambiente externo. Portanto é a temperatura ambiente que irá determinar a entrada do calor no corpo do animal, vindo do ambiente externo.

Recomendações:

Devido a todas as evidências dos efeitos deletérios das extremas temperaturas na saúde e bem-estar de cães e gatos e diante das recomendações da IATA, de muitas companhias aéreas internacionais e do USDA, recomendamos evitar o transporte de animais em períodos mais quentes do ano, em voos que passem por cidades onde a temperatura esteja acima de 30o C ou abaixo de 7o C no embarque, desembarque e conexões. 

Além das recomendações acima, evitar ao máximo deixar os animais esperando dentro dos kennels em áreas abertas, com incidência de raio solar ou em locais fechados, abafados, quentes e com ventilação inadequada.

Barulhos e ruídos excessivos

Durante as viagens aéreas, tanto cães quanto gatos podem ouvir sons em uma frequência diferente da nossa, ou seja, eles têm uma capacidade auditiva mais sensível. Evidências científicas demonstram que barulhos e ruídos acima de 60 decibéis já são prejudiciais aos gatos, que são mais sensíveis que os cães. E um som de uma aeronave decolando pode chegar a mais de 120 decibéis.

Desta forma podemos afirmar que ruídos altos acima de 80 decibéis, afetam o comportamento e a fisiologia de cães e gatos. Resultando em um estado de alerta,  aumento da frequência cardíaca, respiratória e da atividade, bem como pode alterar a função gastrointestinal e os sistema nervoso e cardiovascular.

Sabemos que as áreas próximas à pista, onde os animais são manejados e transportados. Seja como bagagens de mão, bagagens despachadas ou como carga viva, sofrem impacto do chamado ‘ruído aeronáutico’. Definido pela ANAC como o ruído originado de atividades como circulação de aeronaves, aproximação, decolagem, pouso, rolamento e teste de motor.

Alguns estudos demonstraram que os aviões podem produzir sons em torno de 140 dB com os motores ligados, antes da decolagem. Portanto, se um animal aguarda muito tempo na pista, próximo ao avião, antes de ser embarcado, isso afeta seu bem-estar já no início da viagem

Recomendação:

Os animais não devem ser expostos aos ruídos aeronáuticos por muito tempo. Por isso a necessidade de estarem protegidos em algum local fechado, dentro de uma VAN climatizada ou em uma sala com isolamento acústico até a hora do embarque. E quando desembarcam, estes animais devem ir imediatamente a uma sala ou saguão para serem entregue aos tutores. O uso de protetores auriculares nem sempre é uma boa alternativa. Pois, os animais não estão acostumados e pode ser mais um agente estressor. Logo, a maioria dos animais vão chacoalhar a cabeça até conseguir eliminar o protetor auricular.

Recomendações de boas práticas e novas estratégias a serem executadas pelas companhias aéreas no transporte de cães e gatos.

Em primeiro lugar é importante mencionar não existe um transporte sem riscos para animais que viajam no compartimento de carga das atuais aeronaves comerciais.

Desta forma, a nossa recomendação, como organização de proteção animal é que as companhias aéreas ofereçam um serviço especializado de levar animais dentro da cabine. Logicamente este é um processo que exige toda uma adaptação das regras. Novos procedimentos operacionais e novas permissões, sendo um processo delicado, complexo e a médio e longo prazo.

Em diversos países, já permitem o voo de animais de diferentes tamanhos para animais de serviço. E para animais de suporte emocional, tornando essa opção não impossível de implementar. Toda a sociedade incluindo as companhias aéreas, os aeroportos, os tutores e os criadores devem entender que estão transportando vidas e não produtos, cargas ou bagagens.

Levar na cabine

Em relação ao transporte de animais dentro da cabine, a companhia poderia implementar um único voo por dia/por trajeto. Principalmente nos trajetos mais comumente utilizados pelos tutores. Onde as duas últimas fileiras da aeronave seriam designadas como Área Pet friendly, ao fundo. Onde o tutor possa levar seus animais, mesmo que maiores de 7Kg na caixa de transporte, junto com ele.

Seria uma condição especial que pode ocorrer 2 a 3 x por semana. Dependendo da demanda essas viagens aéreas seriam chamadas de Voo Pet friendly. Ou seja, todos seriam informados no ato da reserva que naquele voo podem estar presentes até 4 animais. De diferentes tamanhos (até 25Kg), com comportamento calmo, nas 2 últimas fileiras (Area Pet Friendly).

Engenheiros de voos e especialistas poderiam ser contratados ara pensar em novas formas de se transportar animais maiores. Dentro das aeronaves com segurança e atendendo aos anseios de uma sociedade que cada vez mais reconhecem seus animais de estimação como parte da família. Este tipo de voo Pet Friendly teria que ser regulamentado pela ANAC. Apoiado pelas associações aéreas como ABEAR (Associação Brasileira das Empresas Aéreas, SNEA (Sindicato nacional das empresas aéreas) e pelos consumidores e clientes da companhia aérea.

Logo, até que as companhias possam implementar essa solução, com a adequação e anuência das agências de aviação. Pode-se incorporar outras mudanças a curto e médio prazo para minimizar os riscos existentes aos animais transportados hoje na cabine e no porão.

Conclusão final

As viagens aéreas para cães e gatos são e sempre serão um processo altamente complexo e estressante, muito mais do que para nós, seres humanos. Os cães e gatos, apesar de toda sua complexidade cognitiva, não entendem o que está se passando quando são colocados em caixas de transporte. Transportados dentro de um aeroporto até chegarem em um porão de carga escuro e ruidoso, onde passarão muitas horas em um ambiente que é hostil.

Podemos sim, nos esforçar a quebrar paradigmas e estabelecer formas de transportar cada vez mais cães e gatos junto com seus tutores. Visto que agora estes fazem parte de nossas famílias, a chamada família multiespécie. Até poucos anos atrás não tínhamos hotéis, restaurantes e academias pet friendly e hoje temos inúmeros locais adaptados a receber animais. Onde estes acompanham seus tutores sem causar risco ou incômodo a outros clientes. Afinal, por que não pensarmos da mesma forma nas viagens aéreas nos aviões?

E se ainda não pudermos mudar essa realidade a curto e médio prazo?

É necessário permitir que a maioria dos animais de diferentes tamanhos viajem na cabine com seus tutores. As companhias aéreas, agências reguladoras (como INFRAERO, ANAC, etc.), associações de transporte (ABEAR), aeroportos e tutores precisam entender seus papéis e responsabilidades neste processo e agir agora para implementar mudanças possíveis.

  1. Bergeron, R., Scott, S. L., Emond, J. P., Mercier, F., Cook, N. J., & Schaefer, A. L. (2002). Physiology and behavior of dogs during air transport. Canadian journal of veterinary research. Revue canadienne de recherche veterinaire, 66(3), 211–216 ↩︎
Por M.V. MSc. Rosangela Gebara | Diretora Técnica AMPARA ANIMAL

Leia também Estratégias da Ampara para o Transporte Aéreo de Animais.

Instituto Ampara

A AMPARA nasce em agosto de 2010, pela coragem de Juliana Camargo e Marcele Becker em tirar diversos animais da situação de rua. Em 5 anos de trabalho pesado, a AMPARA consegue se tornar a maior OSCIP de proteção animal do Brasil, com o maior número de animais amparados.

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