Afinal, animal silvestre é ou não é pet?

Papagaio preso em gaiola suja e pequena
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Muito se discute sobre o direito de manter um animal silvestre como pet. Mas quantos de nós realmente abordam essa questão sob uma perspectiva não antropocêntrica? Para além da legalidade, o debate deveria priorizar os direitos dos animais, o bem-estar animal e a ética envolvida nessa prática.

Animais domésticos x silvestres

Um ponto fundamental que muitas vezes se perde nessa discussão é a diferença entre animais domésticos e silvestres, sejam nativos ou exóticos. Essa distinção está diretamente ligada ao processo de domesticação, que ocorre ao longo de milhares de anos. A domesticação envolve a seleção de comportamentos e características desejáveis pelo ser humano, resultando na criação de raças e, em alguns casos, novas espécies. Entre essas características está o amansamento, a capacidade de obedecer ordens e de conviver em ambientes humanos. Essa e outras práticas de seleção não natural podem afetar a qualidade de vida do animal e a conservação da biodiversidade.

A história da evolução humana nos mostra que a questão não é a incapacidade do homem em domesticar certas espécies, mas sim a incompatibilidade desses animais com o processo de domesticação. Animais silvestres possuem comportamentos e necessidades naturais que, mesmo quando nascidos em cativeiro, não desaparecem. No mercado pet, esses animais podem ser “domados” ou habituados à presença humana, porém isso está longe de ser domesticação e mais longe ainda do bem-estar animal.

As consequências do mercado pet para a fauna silvestre

Nós do Instituto Ampara Animal, entendemos que o mercado pet de animais silvestres é uma atividade desnecessária e prejudicial, que impacta diretamente a vida de milhões de animais. Além de comprometer a biodiversidade, através do fomento ao tráfico de animais, essa prática traz consequências econômicas e ambientais significativas para todo o planeta.

A comercialização de animais silvestres como pets é frequentemente romantizada com o discurso de “amor aos animais”, mas a que custo? Submeter esses indivíduos à privação de seus comportamentos naturais e afastá-los de seus habitats, apenas para satisfazer desejos humanos, é uma forma de exploração. Animais silvestres nativos têm papéis ecológicos essenciais em seus ecossistemas, que são anulados quando eles são transformados em objetos de posse e desejo.

A normalização dessa prática afasta a sociedade da fauna livre, criando uma desconexão com os animais em seus ambientes naturais e como eles realmente são. Passamos a acreditar que é normal ver uma ave que não voa ou uma serpente que não se estica completamente, e isso deturpa nossa percepção do papel desses animais na natureza.

Exploração, criação e o tráfico de animais

O tráfico de animais silvestres existe em grande parte porque a sociedade aceita e naturaliza a ideia de animais enjaulados, papagaios “falando” palavras e frases humanas, macacos vestidos como humanos e assim por diante. Esse ciclo alimenta um mercado que coloca a conservação da biodiversidade em risco e que a própria criação legalizada alimenta. Exemplos como a ararinha-azul (Cyanopsitta spixii), o bicudo (Sporophila maximiliani) e o cascudo-zebra (Hypancistrus zebra) são emblemáticos: nosso egoísmo em ter animais silvestres aprisionados quase os levou à extinção.

Outro exemplo claro que remete exploração, tráfico de animais e a criação legalizada é o canário-da-terra (Sicalis flaveola). Esta é uma das espécies mais traficadas no país e também a mais explorada comercialmente. Atualmente, são mais de 200 mil criadores legalizados no Brasil, mostrando que não é a criação autorizada que combate o tráfico. Pelo contrário, o que estamos discutindo aqui implica na própria influência da demanda por animais silvestres, aumentando a retirada de animais da natureza e a normalização da exploração.

Não confunda criação comercial como ferramenta para o combate ao tráfico! Combater o tráfico envolve ações, as quais não hajam exploração e sofrimento animal.

Mas, animal silvestre de origem de criador com autorização dos órgãos ambientais é ou não é pet?

Legalmente falando existe uma lista de animais, tanto silvestres, quanto exóticos, que podemos adquirir como pets. Mas eticamente, porque ainda insistir nesse tipo de animais de companhia?

É importante conhecer os argumentos que defendem a manutenção de animais silvestres como pets. Listamos a seguir, com seus respectivos argumentos contrários.

1. Suporte emocional e companhia

É comum argumentar que animais silvestres podem oferecer suporte emocional e companhia, mas essa justificativa ignora o impacto no bem-estar do animal. Diferente de animais domésticos, que foram selecionados ao longo de milhares de anos para conviver com humanos, animais silvestres possuem necessidades comportamentais, ambientais e fisiológicas muito específicas. Mantê-los fora de seu habitat natural pode gerar estresse crônico, tédio e problemas de saúde física e mental, tornando esse suposto “suporte emocional” prejudicial para o animal.

Além disso, a relação entre humanos e animais silvestres em cativeiro é frequentemente baseada em dominação. Não em uma conexão saudável e benéfica para ambas as partes, como ocorre com pets domesticados. Isso contradiz a ideia de que esses animais são apropriados para oferecer suporte emocional.

Outro ponto importante é o fato de já existir milhões de cães e gatos abandonados e/ou em situação de maus-tratos, animais estes que domesticamos para serem nossos animais de companhia. Ambas as espécies são mais que suficientes para serem criadas como pets e mesmo assim, são diversos problemas que nós causamos para esses animais. Quer um animal de companhia? Adote um cachorro ou gato!

2. Adequação da espécie selvagem como animal de estimação – Exemplo do imprinting

Muitos também argumentam o fato de alguns animais silvestres apresentarem uma relação de “afeto” e, principalmente dependência humana, dizendo que estão sendo domesticados. Porém, esses tipos de comportamento são artificiais, como o caso do imprinting. Essa técnica busca a formação de uma dependência emocional e comportamental com humanos de filhotes, por exemplo de papagaios, retirados precocemente dos pais. Pode parecer indicar que esses animais se adaptam à convivência com humanos, no entanto, essa prática artificial não respeita o desenvolvimento natural da espécie e pode criar dependência patológica.

Papagaios e outras aves criadas assim podem desenvolver sérios problemas comportamentais, como ansiedade de separação, agressividade ou comportamentos destrutivos, o que mostra que esse processo de vinculação não é saudável para o animal e apenas beneficia a necessidade humana de controle e companhia. Esses animais também continuam a ter necessidades naturais, como voar e interagir socialmente com outros da mesma espécie, o que dificilmente pode ser oferecido em ambientes domésticos.

3. Sustentabilidade comercial e populacional

Argumentos de que a criação e venda de animais silvestres é sustentável comercialmente e populacionalmente frequentemente ignoram os danos ecológicos e os problemas de conservação associados. Mesmo quando criados em cativeiro, o comércio de animais silvestres incentiva o comércio ilegal, já que a demanda por animais exóticos aumenta a captura e venda de indivíduos retirados da natureza e o custo de um animal legalizado pode chegar a ser 10x, 20x mais alto.

Além disso, a retirada de animais silvestres de seus habitats pode desequilibrar ecossistemas inteiros, afetando cadeias alimentares e a biodiversidade. A criação em cativeiro também raramente consegue compensar a perda de populações selvagens, e muitas vezes leva à manipulação genética para fins comerciais, prejudicando ainda mais as espécies.

No final, a alegação de sustentabilidade comercial não leva em conta os impactos a longo prazo na conservação de espécies e na saúde dos ecossistemas. Esse comércio frequentemente prioriza o lucro em detrimento da preservação e do bem-estar animal.

Esses pontos mostram que manter animais silvestres como pet traz inúmeros problemas éticos, ecológicos e de bem-estar animal. E que argumentos em defesa dessa prática falham em reconhecer a complexidade e as necessidades intrínsecas dessas espécies.

Em conclusão: silvestre não é pet!

Há inúmeros argumentos éticos, científicos e conservacionistas para que abandonemos o costume de ter animais silvestres como estimação. A verdadeira relação de “amor” com a fauna deve priorizar o respeito à sua liberdade e ao reconhecimento de seu valor intrínseco na natureza. Aprenda formas de construir um relação mais harmônica com a fauna no blog do projeto Sou Amigo da Fauna.

Respeitar a natureza dos animais silvestres é, de fato, amá-los. Eles não foram feitos para nossas gaiolas, mas para seus ambientes naturais, onde desempenham papéis vitais nos ecossistemas. Se queremos uma relação saudável com a biodiversidade, precisamos repensar nossa visão antropocêntrica e agir em prol da vida selvagem.

Leia mais sobre este tema no relatório “Crueldade à venda” realizado pela World Animal Protection aqui

Texto de autoria do Gerente de Projetos da Ampara Silvestre, o biólogo Maurício Forlani.

Instituto Ampara

A AMPARA nasce em agosto de 2010, pela coragem de Juliana Camargo e Marcele Becker em tirar diversos animais da situação de rua. Em 5 anos de trabalho pesado, a AMPARA consegue se tornar a maior OSCIP de proteção animal do Brasil, com o maior número de animais amparados.

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