O ronco do bugio-ruivo: a busca pelos sobreviventes em São Paulo

Dois indivíduos de bugios-ruivos na natureza, em São Paulo
Tempo de leitura: 6 minutos

Bugios em São Paulo

São Paulo é uma cidade de muito barulho! Estamos acostumados com o ronco dos carros, motos e aviões. Mas há um som inusitado, que também ouvíamos com certa frequência em algumas partes da cidade: o ronco do bugio-ruivo. Este primata, um dos maiores do Brasil, emite uma vocalização forte, grave, que ecoa pelas matas, assustando a muitos desavisados.  

Quem conhece, sabe que o bugio-ruivo é um primata de aproximadamente 75 cm de altura e no máximo 10 quilos, que vive em bandos de até 11 indivíduos. Os machos, maiores e com uma pelagem ruiva, são os responsáveis pelo ronco alto utilizado para interações sociais e manutenção do território. Enquanto as fêmeas e jovens, menores e de pelagem castanho-escuro, contribuem menos no coro.

bugio ruivo

Imagem: machos de bugio-ruivo (Alouatta guariba clamitans) vocalizando nas matas do Parque Estadual Fontes do Ipiranga, São Paulo, 2024. Foto de Felipe Moreli Fantacini 

Por que os bugios desapareceram?

Ouvir o ronco dos bugios fazia parte da rotina de muitos paulistanos. Quem vivia próximo a áreas verdes da cidade, como o horto florestal e a Serra da Cantareira e ao sul do município já estava acostumado. No entanto, após 2018, esse som quase desapareceu. 

Isso aconteceu, pois entre 2016 e 2018, um surto de febre amarela se espalhou pelos estados do Sudeste e Sul do Brasil. Tal acontecido resultou na morte de milhares de bugios, se tornando um surto muito mais letal do que o COVID-19 foi para nós, humanos. 

Os impactos da febre amarela

No estado de São Paulo, pesquisadores citam a perda de mais da metade da população de bugios. Já na região metropolitana de São Paulo, a gravidade foi ainda maior, podendo ter chegado a quase 90% de perda da população. Só na Serra da Cantareira, onde acreditava-se viver entre 3 e 4 mil bugios, a espécie foi considerada extinta após o surto da doença.

A febra amarela é uma doença causa por um vírus transmitido por mosquitos, que afeta todos os primatas, inclusive humanos. Os bugios são especialmente sensíveis a esse vírus comparativamente a outros primatas brasileiros, como os saguis e os macacos-prego. Durante o surto, eles foram vítimas da doença e da desinformação, pois muitos foram mortos por humanos que temiam transmissão da febre-amarela.  Os macacos, além de não transmitir a doença (quem transmite é o mosquito), também atuam como um “escudo” para nós, humanos, sendo “sentinelas” da doença. Isso porque encontrar bugios e outros primatas doentes ou mortos é um grande indício de que o vírus está circulando em determinada localidade e com isso, as autoridades de saúde podem agir para alertar e imunizar as populações humanas da região.  

O bugio-ruivo é encontrado unicamente na Mata Atlântica e já era considerado ameaçado de extinção devido à redução de habitat e caça. Mas após o surto, a situação se agravou e ele foi considerado uma das 25 espécies de primatas mais ameaçadas do mundo. 

Há esperança para a conservação dos bugios

O desaparecimento do bugio-ruivo é uma tragédia para a biodiversidade, pois ele é fundamental para a manutenção das florestas. Através de sua dieta composta basicamente de folhas e frutos, o bugio realiza a dispersão das sementes, principalmente daquelas plantas com frutos e sementes maiores. Dessa forma, ele promove e mantem a diversidade, riqueza e o equilíbrio da floresta. Florestas com bugios e outros grandes dispersores de sementes possuem, inclusive, maior capacidade de captar carbono auxiliando no controle das mudanças climáticas. 

bugio ruivo

Imagem: fêmea de bugio-ruivo (Alouatta guariba clamitans) carregando seu filhote, São Paulo, 2024. Foto de Felipe Moreli Fantacini 

Apesar do cenário crítico, ainda há esperança. Recentemente, começaram a surgir relatos de que bugios voltaram a ser ouvidos em algumas áreas da cidade. Onde estão? Quantos são? Será que as populações estão crescendo? Essas são perguntas que os pesquisadores ainda não têm a resposta. Por isso, em 2023, o instituto AMPARA Animal começou o projeto “Em Busca dos Sobreviventes”! Através desse projeto estamos monitorando diversas unidades de conservação (UCs) e fragmentos de mata atlântica de São Paulo, buscando encontrar esses bugios sobreviventes do surto da febre amarela e entender se as populações têm capacidade de se manter e crescer ou se necessitam intervenções para garantir a conservação e perpetuação da espécie. 

Estamos em busca dos sobreviventes

Primeiramente, o monitoramento consiste em caminhar calmamente (não mais que 2 km/h) pelas trilhas das UCs, buscando encontrar os bugios no alto das árvores! Quando encontramos fazemos anotações sobre seu comportamento, número de indivíduos, sexo e distância em que se encontraram da trilha. Isso auxilia a calcularmos a densidade de animais na região e estimar o tamanho populacional. Mas, se engana quem pensa que é fácil encontrá-los. Na mata fechada e sombreada, a coloração preta das fêmeas e filhotes é ideal para se camuflar, mesmo o macho, maior e ruivo, não precisa mais do que um galho cheio de folhas para escapar de nossos olhares! Nossa maior chance de observação é ou quando o bando está em deslocamento, se alimentando ou vocalizando. 

Dessa forma, estamos à mais de um ano realizando as saídas de monitoramento em seis unidades de conservação da Cidade de São Paulo. São elas: o Parque Estadual Fontes do Ipiranga, uma ilha de mata incrustada no meio da área urbanizada entre São Paulo e Diadema; os Parques Naturais Municipais Bororé, Varginha, Itaim e Jaceguava e a RPPN Solo Sagrado localizados na região sul da cidade ao redor do rodoanel.  Nossa equipe com ajuda de voluntários já percorreu quase 400 quilômetros de trilhas e conseguimos ter 48 encontros com grupos de bugios na Natureza. O tamanho dos grupos avistados variou de machos solitários até 9 indivíduos, com a média de 4 animais por grupo. Além de nossos registros, moradores tem compartilhado informações sempre que os animais são vistos e ouvidos próximos de suas casas, através da chamada “ciência cidadã!  

Voluntário

Imagem: Felipe Moreli, coordenador do projeto, em monitoramento no Parque Estadual Fontes do Ipiranga. São Paulo, 2024.

Aonde estão os bugios?

O Parque Estadual Fontes do Ipiranga é o local com mais avistamentos de grupos de bugios, com a população aparentemente bem e crescente. Este parque é uma ilha de mata no meio de São Paulo e apesar de alguns registros de febre amarela no parque, aparentemente a doença não foi tão impactante na região. No entanto, a população dessa região lida com outros grandes problemas, como a própria falta de espaço, atropelamentos, ataque por cães, eletrocussão e até linhas de pipas que caem sobre as arvores e podem se enrolar nos animais. Com isso, é importante um monitoramento constante do local e a implementação de ações específicas para o Parque. 

Em relação aos parques da Zona Sul, os brigadistas dos parques e moradores da região dizem que hoje avistam muito menos do que se via antes da febre amarela. Durante nossos estudos, registramos a presença de bugios em todos os parques. E, apesar do encontro ser menos frequente, também encontramos bandos saldáveis com filhotes, indicando que a população está se recuperando na região.  

Zona Sul Bugio

Imagem: mapa dos Parques Municipais Jaceguava (Azul), Itaim (verde-escuro), Varginha (Verde-piscina) e Bororé (Marrom), da RPPN Solo Sagrado (verde musgo) e do Parque Estadual Fontes do Ipiranga cinza) indicando as trilhas percorridas durante os monitoramentos do projeto “Em Busca dos Sobreviventes” e os pontos indicando os avistamentos e vestígios de Bugios (Alouatta guariba clamitans), São Paulo, 2024.

Juntos, pela conservação do bugio-ruivo

Em conclusão, é essencial continuarmos os monitoramentos e gerar mais dados para poder estimar os tamanhos populacionais dos bugios na cidade. Planos de conservação para a espécie no município e no estado precisam de informações como estas. Inclusive, uma ação que já está em execução é o projeto de reintrodução de bugios na Serra da Canteira, mas isso é assunto para um outro blog.  

O importante é que, apesar dos desafios serem grandes e a espécie estar lutando pela sua sobrevivência, seu ronco continua sendo ouvido em São Paulo. E, portanto, precisamos garantir que este som não seja silenciado nesta selva de pedras.

Conheça mais sobre o projeto no nosso site e acompanhe nas redes sociais!

O Instituto Ampara Animal cede os recursos para a execução do projeto. A PRIMATE SOCIETY OF GREAT BRITAIN (PSGB) cedeu parte dos recursos através de seu sistema de grants de conservação.

Texto escrito pelo coordenador do Projeto “De volta para casa l Bugio-ruivo”, o biólogo Felipe Moreli.

Instituto Ampara

A AMPARA nasce em agosto de 2010, pela coragem de Juliana Camargo e Marcele Becker em tirar diversos animais da situação de rua. Em 5 anos de trabalho pesado, a AMPARA consegue se tornar a maior OSCIP de proteção animal do Brasil, com o maior número de animais amparados.

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